Conheci E. L. Doctorow
há uns 6 anos quando cursava Letras na Universidade de São Paulo e um dos
livros obrigatórios da disciplina Leituras do Cânon 3 era seu O Livro
de Daniel. Cânon 3, como carinhosamente chamávamos, trabalhava com
literatura americana, que tivemos muito pouco no curso, é verdade, e a
professora Maria Elisa Cevasco (ô, saudade de seus comentários) quis, com sua
seleção de obras, fazer um panorama no século XX na história dos Estados Unidos
através dos romances, o que foi muito interessante. Lemos no original em inglês
O Grande Gatsby, de Scott Fitzgerald, O Olho mais Azul, de Toni
Morrison, o já citado O Livro de Daniel e Super Sad True Love Story, de Gary Shteyngart, um livro escrito já
no século XXI, com a narrativa mais transgressora, digamos, entre os quatro.
Devo confessar que não terminei o livro do Doctorow para a disciplina de Cânon
3, mas adorei o programa.
Quando a TAG (www.taglivros.com.br)
deu a dica de qual seria o livro de agosto, eu já senti o cheiro de Leituras do
Cânon 3 e até pensei, por um tempo, que o livro seria O Grande Gatsby,
mas a década não correspondia. Só descobri que o livro em questão era Ragtime quando
recebi a caixinha em casa. É incrível como Doctorow consegue misturar ficção e
realidade, colocar personagens reais e históricos no romance e, com isso,
imprimir mais veracidade e dar ao leitor uma percepção mais clara do que
foi a época e o lugar – início do século XX nos Estados Unidos, em meio a uma
fortíssima produção industrial, mas onde também a cultura tem importante papel.
A família em que ninguém
tem nome, mas são conhecidos como Pai, Mãe, Menino, Irmão mais Novo de Mamãe,
Vovô se torna um arquétipo de uma típica família de classe média americana. Além
disso, há a família de imigrantes judeus, pai e mãe são Tateh e Mameh (pai e
mãe em iídiche), além da filha do casal, que nem nome tem.
Há ainda a presença do
mágico Houdini, o músico Coalhouse Walker Jr., da anarquista Emma Goldman, da
socialite Evelyn Nesbit, do bilionário J. P. Morgan e do psicanalista Sigmund
Freud. Há também espaço para discussão de questões feministas e do problema
racial em meio a conceitos pós-modernistas do início do século passado.
Com isso, Doctorow
mistura ficção e realidade para dar forma às transformações pela qual passou a
sociedade americana no século passado e que, talvez, a tenha levado a ser o que
é hoje, com uma carga literária maior que a histórica, sem dúvida.